quarta-feira, 29 de outubro de 2014

RESENHA

Por uma pedagogia da comunicação

Maria do Rosário do N. R. Alves (SEE/DF)

Pedagogia do silenciamento: a escola brasileira e o ensino de língua materna, obra de Celso Ferrarezi Jr. é resultado da longa experiência do autor na formação de professores de língua materna em cursos de Letras e de sua experiência em salas de aula da Educação Básica - da alfabetização ao Ensino Médio -, com povos indígenas, com seringueiros e ribeirinhos, em escolas urbanas e no sistema federal de universidades.
Celso Ferrarezi Jr. é licenciado em Letras Português/Inglês pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), mestre em Linguística (Semântica) pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), doutor em Linguística (Semântica) pela UNIR e pós-doutor também com especialidade em Semântica, pela UNICAMP. Atualmente é professor associado da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL). Na Amazônia, fez carreira como professor a partir dos 16 anos, quando terminou o curso de magistério. 
O livro foi organizado em quatro capítulos além da introdução e da conclusão. A introdução nos apresenta um breve histórico do silenciamento na educação e discorre sobre o tipo de silêncio ao qual se refere: o silêncio que vai além do silêncio da boca, mas que afeta a pessoa no falar, no expressar ideias, na criticidade, no posicionamento diante dos fatos da vida, na autonomia, na leitura e na escrita. Para ele, é um silêncio múltiplo, escolasticamente desenvolvido, academicamente ensinado, e que deixa cicatrizes profundas nas vidas dos alunos. O autor posiciona-se contra os silêncios impostos nas escolas silenciosas, em que os professores estão preocupados em ensinar “as artes do silêncio”.
Ainda na introdução, o autor apresenta-nos a ideia de que a escola brasileira atua na contramão do barulho próprio da vida: o barulho da voz do criador, na criação e, da explosão cósmica, na evolução. Na escola, aprende-se a ter medo do barulho, que é considerado como um pecado que corrompe as hierarquias e sinaliza em direção a um anarquismo incômodo. Para ele, o barulho deve ser considerado de maneira diferente:como expressão da vida, do movimento e da vibração. Trata-se de ir contra o silêncio escolarizado, produzido em um círculo vicioso: os professores foram formados na 
pedagogia do silêncio e a reproduzem em suas salas de aula. Há uma conclamação a uma boa e barulhenta escola, onde borbulhem os pensamentos inquietos e cheios de vida.
O capítulo 1, intitulado “O silêncio dos pecadores”, traça um caminho que passa pela formação de uma pedagogia do silêncio, pelos currículos silenciosos e pela prática do silêncio nas aulas de língua materna. Esse caminho inicia-se com a história das primeiras escolas, cerca de mil anos antes de Cristo, cujo objetivo era a conversão religiosa; aborda as instituições orientais no período pré-cristão e a educação grega, iniciada pelos filósofos. Ele pontua o início do silêncio na escola ocidental, cuja origem remonta aos católicos romanos da patrística, fundadores dos mosteiros e da implantação do silêncio como virtude, situação que foi modificada com o Renascimento. No entanto, o autor afirma que as construções iluminadoras dos renascentistas não chegaram à escola brasileira, e que o silêncio continua sendo a prática nacional preponderante.
Quanto aos currículos silenciosos, para Celso Ferrarezi, os currículos adotados nas escolas ainda consideram o silêncio e o ensino de regras como as principais orientações a serem seguidas. Para chegar a esse ponto de vista, ele apresenta a análise de currículos de língua portuguesa de sete escolas dos anos iniciais em diferentes estados do Brasil. Sua pesquisa comprova que eles são “descabidamente” extensos para cada série e que o ensino de língua materna ainda é pautado pelo ensino da gramática normativa. Levanta, ainda, a discussão sobre a inutilidade da escola e a necessidade de revisão dos currículos, para mudar essa situação.
Sobre o silêncio, como prática nas aulas de língua materna, o que se discute é a prática da palavra irresponsável, a prática da não utilização da inteligência e a prática do “você não me interessa”. Nesse tópico, o autor é enfático ao afirmar que os alunos só têm a palavra para responder a perguntas inúteis do tipo “O que é um adverbio?”, que têm vergonha de errar e que, dessa forma, a escola silencia as consciências, não permitindo aos alunos pensarem, oferecendo exercícios mecânicos e repetitivos. Tudo isso sinaliza, para o aluno, que por ele não se interessam, que sua história, seus valores, seus interesses não são importantes: o que importa é o conteúdo vazio de significados.
No capítulo 2, “Uma tentativa de mudança”, apresenta-se um histórico da construção dos currículos escolares, definindo-se as competências de cada instância nos níveis federal, estadual e municipal, em relação à sua elaboração, discussão e distribuição. O autor discute a filosofia dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e esclarece que,do seu ponto de vista, eles foram uma revolução curricular que não chegou ainda à prática dos professores. São ressaltados o novo foco para o ensino de língua materna e a competência técnica com que os PCN foram construídos. 
Sobre a ausência dos PCN na prática dos professores, são abordados os percalços em sua implantação, que passam pela não compreensão de seu conteúdo. Nesse tópico do capítulo, também há uma análise do Decreto Presidencial n° 6094-24/04/2007, em que se estabeleceram as metas para a educação brasileira. Aqui, Ferrarezi refere-se à necessidade de envolvimento de todos os professores na discussão e elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas, momento em que se deveria contemplar o currículo, considerando-se as especificidades de cada escola, e define as habilidades essenciais pelo ensino de língua materna nos anos iniciais do Ensino Fundamental. 
O capítulo 3, “As quatro habilidades básicas da comunicação na sala de aula”, foca, como o próprio título enuncia, as habilidades que são consideradas fundamentais para a formação do homo communicans: ler, escrever, falar, ouvir. O ouvir é considerado como uma capacidade muito mais ampla do que o simples escutar. O autor lista as habilidades que compreendem o ouvir e faz considerações sobre sua complexidade, ressaltando a demanda de tempo para seu desenvolvimento. O falar nos é apresentado como uma habilidade valorizada por todos os povos antigos e modernos e que determina poder nas sociedades. Nesse aspecto, Ferrarezi aponta a escola como agente propiciador da fala em oposição ao silêncio, mas, sobretudo, em oposição ao vazio construtivo de si mesmo e da sociedade. 
A leitura, nesse capítulo, é analisada, inicialmente como uma atividade que parece sempre sem sentido para os alunos. Quais seriam as causas dessa situação? É o que o autor responde, nesse tópico, além de elencar as habilidades de leitura que devem ser valorizadas pela escola e destacá-la como o mais eficiente meio de se romper o silêncio da mente. O escrever é apresentado como uma tecnologia que nossas escolas também não conseguem ensinar, a começar pela desconsideração das múltiplas formas de escrita alimentadas em Por uma pedagogia da comunicação nossa sociedade. São ressaltadas as habilidades de escrita que se deve desenvolver na escola e a necessidade de se eliminar as “gramatiquices” inúteis e improdutivas das aulas de língua materna, sobretudo nos anos iniciais.
“A urgência da mudança” é o título do quarto capítulo do livro, que aborda as mazelas de um ensino de língua materna que não é como deveria ser, e o reflexo disso na vida dos alunos. Aqui, o autor é bastante radical ao considerar que todas as epidemias que assolam nosso país são decorrentes da maior epidemia: a falta de educação para todos. Ele ratifica a questão da educação como urgente porque, segundo ele, já comprometeu o desenvolvimento do Brasil e comprometerá o futuro, caso não sejam tomadas as medidas necessárias para uma boa educação em todos os níveis.
Ferrarezi, nesse capítulo, polemiza ao afirmar com todas as letras que o ensino de língua materna deve ser o centro da educação nas séries iniciais, o trabalho mais importante que a escola deve fazer, em detrimento das outras disciplinas e explica o porquê dessa escolha. Para embasar sua categórica afirmação, ele apresenta e analisa vários textos produzidos por alunos entre o 1° e o 7° anos do Ensino Fundamental e corrobora sua afirmação de que esses trabalhos são cicatrizes do silenciamento promovido nas salas de aulas, conclamando as escolas brasileiras para se transformarem em agências de transformação de vidas, contra a repetição de conteúdos antigos, quinquilharias do saber.
Ao concluir o livro, o autor contrapõe à pedagogia do silenciamento a pedagogia da comunicação, para mudar o estado atual de silenciamento humano que alcançou um nível insuportável em nossas escolas. Ele propõe aos professores, com essa finalidade, cinco ideias a serem desenvolvidas em sala de aula, pois é hora de não só falar, mas agir.
Como o próprio autor afirma na introdução, esse livro, “embora mais especificamente voltado para professores de língua materna, será útil para qualquer pessoa que se preocupe com a educação brasileira, uma vez que discute os motivos, as consequências e as possibilidades de mudança de uma pedagogia do silenciamento para uma pedagogia barulhenta e libertadora” (p. 15). Eu o recomendo principalmente para os que estão ingressando na carreira do magistério e que têm a chance de mudar os caminhos da educação neste país. Apesar de, em alguns momentos, o autor ser um tanto panfletário, os temas tratados são relevantes para a formação e a reflexão de professores sobre o trabalho pedagógico desenvolvido em nossas salas de aula e que tem contribuído, sim, para a formação de uma juventude silenciosa.

FERRAREZI JR., CELSO. Pedagogia 
do Silenciamento. Parábola Editora, 
São Paulo. 120p, 2014Por uma pedagogia da comunicação
Volume 6 – Números 1/2 – Ano VI – dez/2013

(Revista de Letras da Universidade Católica de Brasília - http://portalrevistas.ucb.br/index.php/RL/article/view/5386/340)


domingo, 19 de outubro de 2014

Dilma X Aécio: algumas comparações


(Aécio e Dilma no debate do SBT, no último dia 17. Foto: divulgação)
(Aécio e Dilma no debate do SBT, no último dia 17. Foto: divulgação)
Dilma Rousseff e Aécio Neves nasceram em Belo Horizonte, Minas Gerais. Dilmaem 1947. Aécio em 1960.
O pai de Dilma era um imigrante búlgaro, Pedro Rousseff, advogado e empresário. Aécio vem de uma família de políticos. Seu avô materno era Tancredo Neves, que foi ministro da Justiça de Getúlio Vargas, governador de Minas Gerais e primeiro presidente civil eleito, ainda no colégio eleitoral, pelo MDB. O pai de Aécio, Aécio Cunha, foi deputado federal pela Arena, partido que apoiava a ditadura militar.
A jovem Dilma lutou como guerrilheira contra a ditadura militar, foi presa e barbaramente torturada. Aécio era criança no período.
Dilma e Aécio se formaram em economia. Dilma pela UFRGS e Aécio pela PUC-MG.
O primeiro emprego de Dilma foi aos 28 anos, como funcionária da FEE (Fundação de Economia e Estatística), de onde seria demitida pela ditadura. Torna-se assessora da bancada do PDT, partido no qual militava junto com o então marido, Carlos Araújo. Em 1986, é indicada secretária municipal da Fazenda do prefeito Alceu Collares, de cuja campanha participara ativamente. Em 1989, indicada pelo PDT, torna-se diretora-geral da Câmara de Vereadores. Retorna à FEE em 1991 como sua presidente, nomeada por Collares, agora governador do Rio Grande do Sul. Em 1993, torna-se Secretária de Minas, Energia e Comunicações do governo gaúcho. Em 1999, indicada pelo PDT, é nomeada Secretária das Minas e Energia do governo Olívio Dutra. Em 2001, Dilma filia-se ao PT e em 2002 integra a equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. É indicada por Lula ministra das Minas e Energia e, em 2005, para a Casa Civil. Lula a lança candidata a presidente da República e, em 2010, ela é eleita.
Aos 17 anos, enquanto estudava no Rio, Aécio foi nomeado para seu primeiro emprego: oficial de gabinete do Cade, orgão do ministério da Justiça, com sede na capital federal. Aos 19 anos, ainda estudando e morando no Rio, se tornou assessor do gabinete do próprio pai, deputado federal, em Brasília. Em 1983, se torna secretário particular do avô, o governador Tancredo Neves. Ao se eleger presidente, Tancredo indicou o neto como secretário de Assuntos Especiais da Presidência só em 1990 a prática de manter parentes sob a chefia imediata foi proibida. Após a morte de Tancredo, recém-formado em Economia, aos 25 anos, Aécio é nomeado diretor de loterias da Caixa Econômica pelo presidente José Sarney e por seu primo, o ministro da Fazenda Francisco Dornelles. Em 1986, é eleito deputado federal e reeleito em 1990, 1994 e 1998. Em 2002 foi eleito governador de Minas e em 2006, reeleito.
Dilma é odiada pelos militares que participaram ou aprovam a ditadura. Aéciorecebeu o apoio deles.
Dilma chama o golpe militar de “golpe”. Aécio chama o golpe de “revolução”.
O padrinho político de Dilma é o ex-presidente Lula, do PT, cujo governo foi marcado pelo crescimento, pela valorização das empresas e bancos públicos, pela diminuição da desigualdade e da pobreza, pelo salário mínimo em alta, pelo fim da dívida externa, pelo respeito à soberania nacional, pelo baixo desemprego, pela valorização do ensino superior, pela abertura de novas universidades e pela política externa voltada para a América do Sul, para os países emergentes e para a África.
O padrinho político de Aécio (além de seu avô Tancredo) é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, cujo governo foi marcado pelas privatizações de empresas públicas, pela recessão, pelo desemprego, pela desigualdade, pela fome no Nordeste, pelo salário mínimo em queda, pela dependência do FMI (Fundo Monetário Internacional), pelo sucateamento do ensino superior e pela política externa de subserviência aos Estados Unidos.
Entre os artistas que apoiam Dilma, estão Chico Buarque, Luis Fernando Verissimo e Gilberto Gil. Aécio tem o apoio de Chitãozinho & Xororó, Dado Dolabella e Luciano Huck.
Dilma recebeu o apoio do deputado federal e militante da causa LGBT Jean WyllysAécio tem o apoio dos homofóbicos Marco Feliciano, Pastor Malafaia e Bolsonaro.
No primeiro turno, Dilma teve mais votos entre os mais pobres e negros. Aécioteve mais votos entre os mais ricos e brancos.
Quando Dilma sobe nas pesquisas, os especuladores não gostam e a bolsa cai. Quando Aécio sobe nas pesquisas, os especuladores comemoram e a bolsa sobe.
Dilma é rejeitada pelas multinacionais do petróleo. A possibilidade de Aécio ser eleito já virou motivo de comemoração para as multinacionais do petróleo.
Machistas odeiam Dilma. Machistas adoram Aécio e enumeram suas façanhas amorosas.
Dilma é contra a redução da maioridade penal. Aécio é a favor.
Dilma sofreu oposição ferrenha da imprensa durante a maior parte do seu governo, mas nunca censurou nem perseguiu ninguém, embora o PT seja acusado seguidas vezes pela mesma imprensa de “atentar” contra a liberdade de expressão.
Aécio foi blindado pela imprensa local e nacional durante toda a sua carreira política, mas é acusado de censurar e perseguir jornalistas.
Nos governos do partido de Dilma, o PT, todas as denúncias foram investigadas, permitindo que membros de seu partido fossem punidos. Nos governos do partido de Aécio, o PSDB, todas as denúncias foram engavetadas e ninguém jamais foi punido.
Dilma é a favor das cotas por raça e renda. O vice de Aécio, Aloysio Nunes (PSDB), foi o único senador brasileiro que votou contra as cotas.
O projeto econômico de Dilma é conhecido e prioriza a justiça social. O projeto econômico de Aécio é obscuro e prioriza o sistema financeiro.
Existem diferenças fundamentais entre Dilma e Aécio. É preciso ter olhos para ver
Publicado em 18 de outubro de 2014 - cartacapital.com.br/dilma-x-aecio-algumas-comparacoes/