I
Era uma vez uma menina que nasceu há muito tempo,
num vilarejo do interior do nordeste. Ela foi a primeira dos oito filhos da
família. Eu disse OITO filhos, porque nordestino é bicho besta pra ter família
grande. Pelo menos naquele tempo antigo era assim.
Acontece que quando ela tinha dois irmãos e mais um na barriga da mãe que estava
grávida pela quarta vez, e o pai tinha desabado para Brasília em busca de
emprego para sustentar a família que estava crescendo, aconteceu um ocorrido
que mudou a vida da família para sempre: a casa deles pegou fogo! Era mês de
agosto, pensa num incêndio no nordeste, no mês de agosto! Rapaz, foi um
rebuliço só! Tiveram que vir para Brasília, pois ficaram no olho da rua, só com
a roupa do corpo.
Essa foi a sorte deles! Chegaram e foram direto
para o Gama, onde o pai morava de aluguel num barraco. A menina logo começou a
estudar, no que foi seguida pelos irmãos.
Tempos depois conseguiram um lote no Pedregal e
construíram, aos poucos, como é de costume entre os pobres, uma casinha.
Mudaram pra lá. Só havia uma escola onde ela fez a quarta série. Depois foi
preciso ir para o Gama dar continuidade nos estudos.
Eita tempo difícil! Atravessaram muitos
perrengues. Uma vez, a mãe teve que vender um botijão de gás para pagar a
passagem dos filhos para a escola. E o tempo foi passando com muitas
dificuldades...
A menina, que já era mocinha, terminou o segundo
grau, fez o Magistério e começou a dar aulas no DF. As coisas começaram a
melhorar! Os outros também estudavam; os pais continuavam analfabetos, pode-se
dizer.
Um dia ela resolveu fazer faculdade, tenta aqui,
ali, passou no vestibular da UnB. Nesse tempo as coisas já tinham melhorado um
pouco. Ela se casou, morava no Pedregal, trabalhava no Gama e estudava na Asa
Norte. Todo esse percurso era feito de ônibus!
Depois da faculdade, quando já tinha filhos,
decidiu fazer mestrado. Era danada, essa mulher! E foi o que fez, também na
UnB. Depois fez doutorado, para o orgulho de toda a família. Hoje ela é
professora, há 28 anos; vive muito melhor dos que nos tempos passados. Já
escreveu um livro, teve filhos e plantou árvores, mas ainda não quer morrer.
Sabe quem é a menina que fugiu do fogo? Como diria
Roberto Carlos, essa menina sou eu!
Rosário Ribeiro Alves –
Gama, 19/03/2014